quinta-feira, 11 de março de 2010

O NASCIMENTO DE UMA METRÓPOLE

A partir do final do século XIX as elites cafeeiras que chegavam à capital paulista promoveram uma reformulação profunda do espaço urbano, criando uma cidade moderna e repleta de fronteiras

No final do século XIX as elites paulistas começaram a deixar suas fazendas no interior do estado para se instalar nas cidades. Enriquecidas pela exportação do café, escolheram especialmente a capital como destino, em um momento em que São Paulo vivia uma verdadeira explosão urbana. Esses novos moradores iniciaram uma remodelação do espaço, adaptando a cidade aos novos gostos e ao ideário dessas elites, detentoras do poder político estadual e nacional. Essa transformação gerou uma São Paulo que exibiu, na organização dos espaços e na forma de ocupação da cena urbana, toda a complexidade de um crescimento extremamente brusco e veloz, todos os conflitos sociais que a atravessam e toda a diversidade de sua população. A metrópole que surgiu dessa metamorfose passou a ser marcada por grandes contrastes, uma cidade de inúmeras fronteiras.

A primeira delas foi a que opôs modernidade e tradição. Pretendendo apagar os traços que lembrassem o passado pacato e provinciano, os ritmos e as paisagens da antiga São Paulo, a nova lógica queria aproximar a cidade de metrópoles como Nova York, Chicago, Londres e Paris e torná-la o novo coração econômico do país. As demolições, as construções e as transformações foram efetivamente criando um novo cenário: prédios mais altos, trilhos de bondes seguindo a eletrificação, ruas mais largas, parques e praças em estilo art-nouveau, viadutos de metal e arquitetura eclética, composta de elementos neoclássicos, empregando novas técnicas e materiais de construção.

O processo, contudo, é complexo. Ritmos e estruturas urbanas não se apagam num piscar de olhos. A velocidade do crescimento e a falta de planejamento geraram um descompasso visível entre a urbanização e as exigências criadas pela explosão demográfica: entre 1910 e 1920, a população paulistana aumentou 65%, ao passo que, num intervalo de tempo próximo, de 1908 a 1922, o número de passageiros dos bondes da Light cresceu 450%. Duas São Paulo conviviam lado a lado, reforçando com isso os contrastes. A sede de verticalidade não se justificava pela falta de espaço, mas por um desejo de modernização que queria dar a São Paulo uma imagem de metrópole.
A segunda fronteira que salta aos olhos é a social. Os lugares onde vivem e circulam as elites são testemunhas de seu sucesso econômico, tão grande quanto recente. O grupo construiu, para si mesmo, e a seus olhos, uma cidade verdadeiramente moderna, provendo o espaço paulistano de todos os equipamentos, inclusive de lazer, que permitissem a seus membros se reconhecerem como grupo dominante e se orgulharem de sua obra. Assim, o processo de transformações do espaço urbano combinou o crescimento caótico com uma política paralela que organizou, para as elites, uma cidade dentro da cidade, circuitos exclusivos e diferenciados. O núcleo urbano original, transformado em centro, foi totalmente refeito. Suas praças e jardins públicos começaram a ser reorganizados a partir da década de 1880. Entre os anos de 1900 e 1910 inúmeras obras transformaram completamente a paisagem urbana. A região adquiriu então ares fortemente europeus, com seus passeios sofisticados, gramados bem cortados e o estilo arquitetônico de certos edifícios, como o Teatro Municipal (1911), inspirado na Ópera de Paris.

O centro concentrou, nos novos e ecléticos palacetes, o mercado financeiro, o comércio sofisticado e os espaços de lazer destinados às famílias ricas e aos homens de negócios. O chamado Triângulo, delimitado pelas ruas Direita, São Bento e 15 de Novembro, aliou-se às demais áreas refeitas, para compor o circuito voltado às elites. Dali foram afastados todos aqueles que não podiam enfrentar uma inflação imobiliária exorbitante: entre 1916 e 1936, o preço do metro quadrado aumentou 450% na parte mais valorizada do centro e 364% nos outros setores centrais, menos procurados.

Também fez parte do processo de urbanização uma separação cada vez mais nítida entre zonas comerciais e zonas residenciais. O centro tornou-se caro demais e dominado pelas atividades comerciais e financeiras. As zonas residenciais também foram delimitadas. Os casarões das elites se instalaram nas regiões altas e mais sofisticadas, como os Campos Elísios, Higienópolis e, em seguida, o espigão da avenida Paulista, aberta em 1891. Por outro lado, as habitações populares, deslocadas do centro pela especulação imobiliária, concentraram-se nas zonas baixas, próximas aos rios, onde os efeitos das cheias faziam-se freqüentemente sentir.

O lazer também foi segregado, com fronteiras bem delimitadas. Do lado das elites, os clubes exerceram um papel chave: eram espaços privados que garantiam sociabilidade exclusiva.
Os espaços públicos que acolheram as práticas de lazer trouxeram a marca dessa fronteira social. O exemplo do carnaval é eloqüente. No início do século XX, o carnaval de rua pertencia às elites. As famílias desfilavam, ricamente fantasiadas, em carros que compunham o tradicional corso da avenida Paulista. A festa favorecia os encontros amorosos, os flertes e às vezes a formação de futuros casais. Segundo a mesma lógica, essas famílias não pensariam em participar dos desfiles carnavalescos do Brás, freqüentados por italianos e espanhóis.
Mônica Raisa Schpun
Revista História Viva. Edição 47 - Setembro 2007

ANÁLISE CRÍTICA DO TEXTO: O NASCIMENTO DE UMA METRÓPOLE
1) De acordo com o texto, aponte os primeiros sinais do processo de metropolização de SP.
2) O texto destaca aspectos da urbanização que desencadeou uma série de problemas ainda hoje, vigentes. Aponte-os.
3) Compare os motivos do processo de verticalização de SP no século XIX, e o mesmo processo aplicado hoje, nas cidades.
4) Aponte no texto, características do contraste físico e social de SP e comente as principais conseqüências desse contraste para a população.
5) Explique o processo de especulação imobiliária citado no texto. (Causas e conseqüências para a sociedade).
6) Faça uma análise crítica comparativa entre a São Paulo do século XIX e a atual. (Mínimo 5 linhas)

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